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segunda-feira, 21 de maio de 2007

Imagem não é nada.

Pós-modernidade. Para uns pensadores, a Era das Maravilhas, para outros, a realização do inferno na Terra. Um período histórico, uma face do desenvolvimento social que nos permite praticamente tudo. Talvez a permissividade seja a marca mais poderosa do pensamento pós-moderno. São conclusões das mais diversas sobre qualquer tipo de assunto, intertextualidades. A realidade nunca se apresentou tanto como um mosaico, um hipertexto a ser conectado a partir das múltiplas experiências vividas, da pluralidade das relações e das reconfigurações dos espaços sociais, bem como a função a ser exercida por cada indivíduo neste espaço.

Esse avanço nos remete às ciências e tecnologias. Ainda partilhamos um paradigma tecnocrático, no qual a nossa sociedade se reafirma legítima quando as descobertas científicas e os avanços tecnológicos acompanham ou surpreendem a lógica do pensamento mediano. Dessa maneira, podemos considerar que o conceito inevitável conhecido como Globalização, o avanço absoluto e irrefreável das novas tecnologias, aliados às conexões e relações sociais, hoje, simplificam o entendimento da coexistência das múltiplas identidades em cada um de nós, como bem explica Stuart Hall em sua obra, “A identidade cultural na pós-modernidade”. Além disso, nos concede a possibilidade de projetar novas concepções de relacionamentos que serão estabelecidos em função dessas marcas atuais.

Está claro que a cada dia que passa, em razão das diversas características que o sistema econômico, o político e o conceito de liberdade nos proporcionam, as relações estão cada vez mais assépticas. Este fato está longe de ser uma concepção do pensamento recente. Esta realidade já foi projetada muito antes do que se imagina.

Mas, afinal, o que mais preocupa no futuro são as diferenças que são acentuadas pelo capitalismo e pela democracia. Diferenças que provocam o afastamento social. É o olhar do turista de safári ao vizinho com um menor poder de aquisição de bens de consumo. É a cidadania que se caracteriza pelo poder de compra. É a liberdade que se estabelece pelo acesso à tecnologia. É a nação que ocupa espaço privilegiado no panorama internacional. Todos fatores pretensiosos, mas de muito peso no que se diz respeito à assepsia das relações. É justamente neste aspecto que a cultura se faz mecanismo contundente no combate a este modelo do espetáculo que se instaurou em nossas cavernas individuais, como diria Guy Debord em “A sociedade do Espetáculo”. Somente com o pleno conhecimento sobre si mesma, que uma sociedade minoritária, dentro dos padrões globais, sobreviverá ao sistema avassalador que abate o mais fraco em seu processo histórico. Assimilará o que interessa de culturas exteriores e através dessa “antropofagia” adaptar-se-á ao atual. Os pessimistas irão considerar o desaparecimento de uma cultura quando duas se encontram. Dirão que a mais forte destruirá a primeira. Se assim fosse, no Brasil, como em outros países colonizados como colônias de exploração - que só faziam depredar e destruir - não existiriam mais índios. Muito embora a tolerância para com o diferente seja insuficiente, Dominique Wolton comenta brilhantemente o conceito de multiculturalismo, no qual, culturas diferentes conseguem coexistir no mesmo espaço.

Seria culpa da imagem? Do virtual? Tudo hoje se resumiria a imagem? Talvez as desconstruções ao redor das imagens façam com que o homem aceite mais facilmente o diferente. O homem está cinicamente habituado aos reflexos, às imitações. Recorre aos simulacros desde tempos remotos. O que é importante notar é que com as novas concepções atribuídas ao nosso sistema social, a imagem tornou-se falha, questionável, mas nunca foi tão utilizada como argumento discursivo. Todo e qualquer discurso está direta ou indiretamente ligado a uma imagem, que antes era secundária, e que na atualidade, passa a ser elemento primário. A imagem se auto-justifica por atrelarmos a ela o valor documental devido a sua característica mecânica, imediata de reprodução da realidade. De fato, isto se dava antes do advento do digital, que agora nos permite a manipulação da imagem de maneira quase imperceptível, alterando o real sentido de instante, de momento, de tempo ou espaço, do que é real. Trocamos constantemente o que é do âmbito do necessário pelo que é política, no sentido de que existem sempre interesses por detrás de todas as atitudes. Ao invés de procurarmos resolver as pendências sociais, nos apoiamos em discursos distorcidos para criarmos ainda mais elos nas correntes de poder que nos prendem e dominam.

E onde entra a imagem nisso tudo? No início as imagens eram artesanais, da mesma maneira que as relações sociais. Neste período, que podemos chamar de “pré-fotográfico”, era demandado tempo e um bom papo antes da maioria das decisões tomadas assim como as obras de arte, e já que a arte imita a vida e vice-versa, nada era necessariamente precipitado se levarmos em consideração a capacidade técnica que ainda era limitada.
Podemos chamar o período seguinte de “fotográfico”. O que quer dizer que no momento do advento da fotografia, que representa a realidade mais instantânea e mecanicamente, é que os testes no âmbito social se iniciam. Importam-se modelos políticos, econômicos. A verdade passa a ser mais simples com a “testemunha ocular da verdade”. Bastava uma foto, e na medida em que as teias da comunicação se estendiam pelos mais diversos lugares, ficava mais fácil decidir. Existiam modelos reais a serem observados.
Mas o período em que estamos inseridos, este sim é interessante, chamaremos pela lógica de “pós-fotográfico”, um período em que as imagens digitalizadas e fabricadas por computadores permitem alterações significativas tanto no conceito de realidade quanto no que é o real. Basta entendermos que tudo hoje soa manipulado. E por quê? Porque a sensação que este momento nos causa é exatamente essa. Tudo deve estar sob controle para que funcione bem. Desde os presídios ao sistema bancário, como se todas as coisas devessem seguir uma ordem predeterminada, um movimento autômato, uma programação. E o “pós-fotográfico” não insinua conceito mais preciso, o controle. Controlar a imagem manipulá-la da melhor maneira, mas a que preço? O que viria depois?
Talvez o caminho ideal seja justamente o de pensar sobre o futuro considerando o que fazemos da nossa cultura no presente. Reforçando as lutas sociais que reivindicam os direitos da maioria e aceitando os processos que nos abatem “naturalmente”. Para que conceitos como o de globalização e regionalismos fossem amplamente debatidos, talvez fosse mais produtivo resolver assuntos como analfabetismo e fome que exigem urgência e posicionamento por parte da nossa elite pensante. Depois de as reformas de base terem sido realizadas verdadeiramente, é que poderemos comemorar um patamar mais consciente frente às questões que se nos apresentam na sociedade em que estamos inseridos. Cobrando verdadeiramente o posicionamento dos intelectuais que se encontram nas sombras do marasmo e parecem não buscar saídas para os problemas.
Bruno Fernandes.

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